"... e então, naquela mesa branca de uma casa espírita o Caboclo das 7 Encruzilhadas incorporou em Zélio Fernandino de Moraes e disse: 'venho trazer uma religião que harmonizará as famílias e há de perdurar até o fim dos tempos'".
Sempre que conto essa história eu penso: é difícil falar do nascimento da Umbanda. Ela simplesmente nasceu. Nasceu em berço espírita. A primeira manifestação da Umbanda aconteceu através da incorporação do Caboclo das 7 Encruzilhadas no médium Zélio Fernandino de Moraes dentro da recém-fundada Federação Espírita de Niterói - RJ. Ao que se contam, Zélio era um menino "doente"…se comportava de forma estranha, falava de coisas que não sabia e simplesmente mudava de comportamento de uma hora para outra. Isso, na época, era doença. Hoje para nós… é sintoma mediúnico. Foi internado e até parte de um exorcismo fez. A mãe de Zélio o levou a este centro espírita como último caso. E lá, do nada, nasceu a Umbanda.
Umbanda é filha de mãe espírita, pai africano, é neta de avô indígena e avó cristã (católica fervorosa!) só que hoje se descobre também ancestral mágica, budista, hinduísta… Umbanda é puramente religiosa! No sangue da Umbanda correm outros sangues… sangue de várias raças: branca, preta, amarela, vermelha e assim vai… Umbanda é colorida. O que faz a Umbanda o que? ÚNICA. A Umbanda é única. Ela tem fundamento de todas essas religiões? Não. Ela tem o seu fundamento… então é preciso estudar. (nota: notem a profundidade deste parágrafo. Quando Vó Maria Conga faz poesia, meu coração derrete). Meu mestre, professor e pai espiritual de consideração da qual sou eterna aprendiz, Alexandre Cumino, costuma afirmar que "a Umbanda bebeu de diversas fontes e religiões, pois nada nasce do nada". Quando ele me disse isso, em uma primeira aula eu logo pensei "A Umbanda é bem brasileira mesmo… é essa mistura deliciosa de sabores".
Neste texto faremos uma breve leitura sobre as origens da Umbanda. Não aprofundaremos demais, pois a busca pelo conhecimento também deve partir do interno de cada um de nós. Todo esse material foi apoiado do curso que fiz sobre a História da Umbanda com o Pai Alexandre Cumino. Indico fortemente a leitura do livro do mesmo e a pesquisa, expansão e busca sem fim de tudo que está por aqui.
Das suas diversas origens… A origem espírita/kardecista da religião é algo muito importante e é necessário se reconhecer, pois a Umbanda abarca os conceitos da reencarnação, karma, evolução, espíritos, mediunidade e mundo astral daí. Mas é a prática da caridade através da mediunidade o seu destaque. Mas no entanto, Umbanda não é o mesmo que Espiritismo. O espírita é kardecista. Pois ser kardecista é seguir o Evangelho Segundo o Espiritismo, é seguir a Doutrina Espírita. Porque quando você frequenta um terreiro no qual você pisa descalço, bate paô para Exu e Pombagira na entrada, bate cabeça no congá para os orixás e incorpora ou se consulta com as linhas de trabalho que se manifestam cheio de jeitos e trejeitos... você não é espírita. É UMBANDISTA. Você pode ser de outra religião e frequentar um terreiro de Umbanda? Claro. Mas se você acredita piamente e pratica essa ritualística, você é Umbandista.
A Umbanda não é só européia. Ela tem sua origem africana que não se resume ao Candomblé. Vamos dar um passo para trás, pois o Candomblé também é brasileiro. É uma religião brasileira. A Umbanda bebe das águas do Candomblé, pois ambos possuem suas raízes dos cultos de nação afro. Mas vamos entender o que é culto de nação primeiramente: na África existem diferentes grupos étnicos lingüísticos que se dividem entre todo o continente. Cada região povoada por esses grupos cultua a um Deus africano que são chamados de orixás, inquices e voduns. A região que cultuava os orixás, na África, é a nação nagô-yorubá. Dessa nação o Candomblé tirou os Orixás. Ja da cultura Gegê a de se reconhecer as semelhanças com o tambor de mina do Maranhão onde se manifestam os Caboclos e Pretos-Velhos e da nação Bantu o Candomblé tirou algumas palavras como a própria Umbanda, Kimbanda, Cambone, Enjira, Gira e Zambi (nome de Deus em Kimbundo). Vê como é muito mais profundo do que simplesmente dizer que "ah… ela bebeu do Candomblé… é a mesma coisa". Não, não é. Aqui eu indico que se aprofundem nos cultos de nação, pois a Umbanda recebeu através do Candomblé de cada uma das nações um pouquinho que vale e merece ser estudado.
A Umbanda tem um avô indígena, certo? O avô traz o arquétipo de senhor, da sabedoria, do mais velho. Da sua raiz indígena a Umbanda recebe o amor ao culto a natureza. Nós umbandistas fazemos o culto aos orixás como se fossem tronos de Deus presentes na natureza, como por exemplo Iemanjá representa o mar, as águas. Oxóssi representa as matas. Ogum representa as estradas e caminhos. Os índios fazem o mesmo com a natureza quando fazem seus rituais abertos, dançam para os deuses da chuva e buscam em cada erva essa conexão com o divino. Trazemos também do Xamanismo, do uso do fumo e ervas de poder. A Umbanda utiliza muito do poder das ervas para seus rituais sagrados, como a defumação, banhos de ervas e o próprio fumo. A origem da Umbanda foi anunciada por um caboclo, um índio. Isso traz muito da sua ancestralidade.
Da sua avó Cristã, uma católica fervorosa, temos o sincretismo com os santos. A primeira tenda Umbandista fundada pelo próprio Zélio tem o nome Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade. Nós, brasileiros, temos a cultura do Cristianismo muito enraizada dentro de nós. A avó católica fervorosa da Umbanda traz esse sentido da fé, que deve ser forte em nós mesmos, pois sem fé e sem acreditar em algo não há nada. O sincretismo com os santos também é herdado do catolicismo. Sincretismo quer dizer fusão de elementos culturais ou até antagônicos em um só elemento. Quando dizemos que Ogum é São Jorge, estamos fundindo a energia que existe em Ogum e São Jorge. São energias semelhantes, dos guerreiros. Quando fundimos e ligamos Oxóssi a São Sebastião, trazemos a energia da característica altiva de Oxóssi da busca, da busca não só pelo conhecimento, mas também da fé. São Sebastião era um cristão convicto que buscava sempre afirmar a sua fé, era um grande catequizador, propagava e expandia o conhecimento da religião e em consequência a fé. Ele foi amarrado a um tronco e açoitado por cinco flechas em seu corpo por proclamar a sua fé. Já do sincretismo de Nanã-Buruquê, temos Santa Ana, que é a padroeira dos avós. Santa Ana era avó de Jesus e mãe de Maria. Ficou muito conhecida por influenciar profundamente na educação de Jesus, trazendo a ele a sabedoria e principalmente, através do conhecimento a sua evolução. Poderíamos buscar o sincretismo de todos os santos e firmá-los aqui nesse texto, mas essa tarefa deve ser feita depois. É lindo procurar pelas histórias de todos os santos e associá-las as energias dos orixás, pois assim que você adentra a um Templo Umbandista, você pode olhar aquele altar e compreendê-lo com firmeza e real adoração.
Do catolicismo ainda trazemos a imagem de Jesus Cristo. Certa vez, uma pessoa muito próxima a mim me questionou quem era Jesus para a Umbanda. Era muito raso responder que Jesus era Oxalá. Sendo assim, resolvi estudá-lo de forma firme e compreendi que Jesus Cristo foi realmente é filho de Deus, assim como todos nós, porém ele encarnou na terra com uma grande missão. Ele era um grande médium, com faculdades mediúnicas realmente ostensivas e com a ajuda dos apóstolos (através das doações de ectoplasmas dos mesmos) provocou diversos fenômenos mediúnicos. A grande missão de Jesus era congregar a todos através da fé, por isso que ele é tido como Oxalá. Sem nos estender muito neste estudo, mas Oxalá é o Orixá que propaga a fé através da congregação. Essa era a missão e o verbo divino que Jesus veio nos trazer, por isso ele está no topo do altar na maioria dos terreiros que vemos por aí.
Já em sua origem mágica, a Umbanda traz, principalmente os elementos dos rituais nos trabalhos. As guias, velas, defumadores, pontos riscados, pontos cantados, pólvora, a pemba, o estalar dos dedos… todos compreendem uma simbologia magística que vale o aprofundamento de estudo. Em um trabalho de Umbanda tudo é mágico. Mas então o que de fato é magia? Magia é simplesmente o ato de evocar poderes dos Mistérios de Deus e colocá-los em ação a favor do benefício de nós mesmos ou nossos semelhantes. Leia-se benefício como praticar a caridade. Magia é o ato de ativar os mistérios de Deus. Magia é a manipulação mental, energética, elemental, natural dos mistérios e poderes divinos.
A magia é dividida entre religiosa e energética. Na magia religiosa, ativamos e pedimos aos Orixás que nos concedam a energia daquele trono de Deus. Por exemplo, se eu peço a Ogum a força de guerreiro para que eu abra meus caminhos e acendo a uma vela vermelha como elemento de propagação energética, eu já fiz talvez sem saber, uma magia. Já na magia energética eu não peço a Ogum, eu peço ao Trono Divino Masculino da Lei que abra meus caminhos, que desfaça as energias negativas que me açoitam e que faça com que minha força de guerreira abra meus caminhos. Eu vou direto a fonte pedir. Eu posso fazer isso através de um ponto riscado com velas, com espadas elementais da Lei, ervas, pedras. Deve-se ser iniciado naquela magia para poder propagar e utilizar no benefício ao próximo.
"Ah, mas os guias usam tudo isso em um trabalho de Umbanda!".
Sim. Todos os guias de Umbanda são iniciados em um grau de magia. Se a preta-velha que trabalho usa as ervas, ela tem possui o grau de Magia das 7 Ervas Sagradas. Se o cigano incorpora e trabalha com pedras, ele é iniciado na Magia Divina das 7 Pedras Sagradas. Todas as entidades utilizam velas em seu trabalho. Todos são iniciados na Magia Divina das 7 Chamas Sagradas. Não é a toa que este é o primeiro grau aberto de magia. Alexandre Cumino afirma que a Magia é a origem para quase todas as religiões, ele ainda diz que se nos atentarmos aos fatos que nos são narrados na Bíblia, nós veríamos muita magia. A vela que os católicos acendem? Magia, filho.
Temos ainda a origem budista e hindu em nossa religião. Do hinduísmo herdamos o culto a um panteão de divindades, mas sem esquecer que todas essas divindades nascem de um só Deus. Os nossos orixás e Tronos Divinos são originários de Deus, um só… mas na Umbanda tudo é liberdade e podemos cultuar a Deus de acordo com aquela partezinha que precisamos naquele momento. Da cultura budista herdamos principalmente a meditação… esse maravilhoso olhar reflexivo para dentro, onde podemos assim entrar em contato com tudo aquilo que há de mais sagrado dentro de nós. Herdamos ainda dessa parte do oriente algo que vai além do "para fora", herdamos o "para dentro", a possibilidade de encontrar dentro da religião o autoconhecimento! Isso é muito profundo e é uma dádiva! E acredite: é através do autoconhecimento que podemos compreender quem somos e porque somos dentro da religião!
E por fim, a origem mítica da Umbanda. Mito. Em toda religião há um mito fundante, aquele mito que funda as religiões. Segundo José Severino Croatto (apud, Alexandre Cumino, 2000) um mito é o relato de um acontecimento originário, no qual os deuses agem e cuja a finalidade é dar sentido a uma realidade significativa. O mito é uma metáfora. Para as três religiões monoteístas-ocidentais (judaísmo, cristianismo e islamismo), há o mito de Adão e Eva. Para as religiões de cultura Nagô-Yorubá, temos o mito de Oxalá e Olorum. O mito de Urano, Cronos e Zeus para os gregos. O mito de Aton, Ptah e Amon na cultura egípcia. Cada religião tem o seu mito para lhe dar sentido. O mito é a justificativa para a própria existência da religião.
Diante de todas essas origens da nossa amada religião, reflita… reflita se podemos julgar a religião alheia, pois nessa mesma religião que eu chamo de minha e que talvez você chame de sua nós temos muito de um todo. Muito de um todo que faz com que a Umbanda seja Uma de várias Bandas.
Jéssica Piovan sob a inspiração da entidade Vó Maria Conga
Médium umbandista do Templo Escola Pai João da Caridade.